A construção civil é um dos pilares da economia brasileira, responsável por gerar empregos e movimentar diversos setores. No entanto, empresários do ramo frequentemente enfrentam desafios relacionados à demora na análise de pedidos de reajuste e reequilíbrio econômico-financeiro em contratos administrativos ou mesmo o indeferimento de tais pedidos. Este artigo visa esclarecer essas questões e propor soluções práticas.
A legislação brasileira prevê mecanismos para manter a efetividade da proposta inicial dos contratos administrativos, garantindo que as empresas não sejam prejudicadas por variações econômicas imprevistas e que lhes seja assegurado a correção inflacionária anual. No entanto, a burocracia e a falta de padronização nos processos de análise podem resultar em atrasos significativos.
De acordo com um estudo recente da Associação Brasileira da Indústria da Construção (ABIC), cerca de 60% das empresas do setor relataram atrasos superiores a seis meses na análise de seus pedidos de reajuste. Além disso, 45% das empresas afirmaram que esses atrasos impactaram negativamente sua saúde financeira.
Entendendo os conceitos: reequilíbrio econômico-financeiro, reajuste e repactuação. O que é isso?
Antes de discutir os procedimentos a serem seguidos, é importante entender a diferença entre reajuste e reequilíbrio.
Reequilíbrio Econômico-Financeiro: possui caráter extraordinário e pode ser solicitado pelo contratado quando ocorrer um fato imprevisível ou previsível, mas de consequências incalculáveis que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado. Ou ainda, em decorrência de caso fortuito, força maior ou fato do príncipe. Ele está descrito no art. 124, II, da Lei nº 14.133/21.
Nesse caso já houve um rompimento do equilíbrio entre os encargos e a remuneração e o reequilíbrio destina-se a corrigir esse rompimento.
Note-se que a lei, ao exigir que estas consequências sejam graves a ponto de inviabilizar a execução do contrato tal como pactuado, não exige que o particular contratado sofra prejuízos acumulados para só então ter direito o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Ao exigir que tais fatos inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, a adequada interpretação é a de que, existindo defasagem ou rompimento no equilíbrio entre os encargos e a remuneração que foi estabelecida no momento da apresentação da proposta, a efetividade da proposta inicial deve ser reestabelecida. É o prestígio da cláusula rebus sic stantibus que orienta os contratos administrativos por força do art. 37, XXI da Constituição Federal de 1988, que impõe a regra de que devem mantidas as condições efetivas da proposta. Em outas palavras, o lucro que foi pactuado na proposta inicial deve ser mantido, esse é um direito de índole constitucional, verdadeira garantia fundamental do contratado.
A finalidade da norma estabelecida na Constituição Federal, de prestigiar a manutenção das condições da proposta inicial, que no ponto de vista do particular é receber o lucro que foi ajustado naquele momento, é gerar segurança na execução dos contratos administrativos. Com efeito, a justa remuneração da obra ou serviço, que foi fixada após a disputa de preços na licitação é saudável e deve ser mantida. Há várias razões para isso, podendo-se citar algumas. Primeiro porque, confere segurança aquele que faz a proposta, permitindo que formule cada vez preços melhores e mais competitivo, já ciente de que, ainda que sobrevenham fatos extraordinários, o lucro esperado será mantido, essa segurança, gera ao Poder Público a possibilidade de pagar menos e receber propostas melhores. Segundo porque, estimula a economia e os negócios, evita paralisação de obras ou desestimulo a contratar com o Poder Público. Foi esta a opção do constituinte originário, que deve ser respeitada.
Reajuste: é uma atualização periódica do valor contratual, com o objetivo de manter o poder de compra da moeda ao longo do tempo, trata-se os efeitos da inflação. A ele se aplicam os índices previamente estabelecidos no contrato. Em regra, o reajuste é automático, sendo aplicado após a periodicidade prevista no contrato, normalmente anual.
Note-se que aqui, diferente do reequilíbrio, ainda não há um rompimento do equilíbrio entre os encargos e a remuneração. Pelo contrário, as partes sabem que o tempo gera a defasagem do preço do contrato por conta da inflação e já se antecipam a esses eventos, prevendo no edital e no contrato a adoção de um índice que fará frente a essa defasagem. É que se chama de “álea ordinária”, porque os efeitos são conhecidos e esperados e justamente por isso as partes pactuam, de forma antecipada, como será mantida a efetividade da proposta inicial em face desses efeitos inflacionários.
Trata-se de uma ferramenta para assegurar a manutenção da efetividade da proposta inicial, evitando que ela venha se romper.
Repactuação(subespécie de reajuste): em que pese, via de regra, não se aplique a obras públicas, apresenta-se aqui um breve resumo apenas para diferenciá-la dos demais institutos, já que estão presente na lei e pode gerar dúvidas.
A repactuação é uma subespécie de reajuste, sendo chamado por alguns de reajuste lato sensu. Esse reajuste já vinha sendo adotada por força de atos normativos infralegais, desde o Decreto Federal nº 2.271/1997, e posteriormente, de forma mais ampla e corriqueira com a edição da Instrução Normativa nº 02/2008 e a Instrução Normativa nº 05/2017 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), inclusive sob a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). Posteriormente, foi positivada pela Lei nº 14.133/21.
A modalidade é exclusiva aos contratos de serviços prestados em regime de dedicação exclusiva de mão-de-obra, conforme definição legal do art. 6º, XVI da Lei nº 14.133/21. Esta modalidade se destina a fazer frente a variação dos custos da mão-de-obra, mediante a readequação do preço a cada 12(doze) meses da última alteração da convenção coletiva de trabalho (CCT), acordo coletivo de trabalho (ACT) ou sentença normativa (hipótese em que as partes não chegam a um consenso e a Justiça do Trabalho em ação de dissídio coletivo define a política de remuneração da categoria).
É importante esclarecer, todavia, que mesmo que não se aplique para contratos de obras públicas, isso não significa que a variação dos custos da mão-de-obra deve ser integralmente suportado pelos empresários da construção civil. O custo da mão-de-obra compõe um item relevante da composição do preço e deve sempre ser levado em consideração na análise do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, estando sujeito ao reequilíbrio e ao reajuste.
Já compreendidos os conceitos iniciais de cada instituto, nos pontos a seguir sugerimos algumas dicas práticas podem contribuir com o sucesso dos requerimentos de reajuste e reequilíbrio. Sendo elas:
1. Análise detalhada do edital e cuidado ao formular a proposta: o primeiro ponto, e talvez o mais importante, é realizar uma análise detalhada do edital antes de formular a proposta. Isso porque, a lei e a Constituição Federal ao assegurarem a manutenção da efetividade da proposta inicial, isto é a relação entre os encargos e a remuneração, firmadas na licitação, especialmente quanto o lucro pactuado, devem ser mantidas durante a execução do contrato. Todavia, se esta proposta nunca teve efetividade, se o preço já foi formulado em montante insuficiente para fazer frente aos custos, não há que se falar em obter reajuste ou reequilíbrio para que passe a dar lucro.
Se o fato de o contrato não dar lucro decorrer de uma alteração dos encargos por força de um fato extraordinário, como visto acima, cabe o reequilíbrio. Todavia, se a proposta mal formulada, tendo sido mais estimados mal os itens de custo, não há que se falar em reequilíbrio. E inclusive, os tribunais de contas têm aplicado sanções a estes casos, para evitar casos em que o particular reduz o preço para vencer a licitação e eliminar a concorrência, já contando com um reequilíbrio indevido.
Por outro lado. A análise detalhada do edital, é igualmente fundamental porque podem existir cláusulas ilegais que devem ser combatidas antes da realização da licitação. Um cuidado, por exemplo, é verificar as fórmulas de cálculo dos reajustes que foi prevista em edital antes da abertura do certame. Isso porque, não raro, o edital cria fórmulas de cálculo que acabam por desvirtuar o índice estabelecido, tornando-o ineficiente. Desse modo, cabe impugnar o edital de licitação, a fim de que a fórmula do reajuste retrate, de fato, a variação efetiva dos custos, na forma do art. 6º, LVIII, da Lei nº 14.133/21.
2. Monitoramento contínuo: É muito importante implementar sistemas internos para monitorar continuamente os custos e identificar rapidamente eventuais desequilíbrios que podem ajudar a antecipar pedidos e evitar surpresas financeiras. É fundamental criar centros de custos, arquivar comprovantes de despesa com planilhas mensais.
3. Documentação e comprovações robustas junto ao requerimento: as empresas devem mover todos os esforços para que todos os documentos necessários para o pedido estejam completos e atualizados, minimizando a possibilidade de atrasos, ou até mesmo o indeferimento. No caso de reequilíbrios, deve ser demonstrado:
a) o ponto de desequilíbrio econômico-financeiro, preferencialmente por gráficos e comprovações matemáticas, identificando de forma clara o momento da queda no lucro esperado, isto é, a cessão da efetividade da proposta inicial (art. 37, XXI, da CF/88).
b) a existência de motivos de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou dos fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis e a demonstração de que forma estes eventos impactaram no equilíbrio do preço do contrato firmado, retirando a efetividade da proposta inicial a ponto de inviabilizar a execução do contrato tal como pactuado. Note-se que não há necessidade de prejuízo, mas, sim, que esteja inviabilizada a execução do contrato da forma em que fora inicialmente pactuado (art. 124, da Lei nº 14.133/21). Aqui reside um dos pontos mais críticos e onde mais ocorrem questionamentos dos órgãos de controle. É muito comum não conseguir identificar tais fatos, o que inviabiliza o pedido. E quando tais fatos existem, mas, o particular não consegue comprovar a forma como tais fatos foram capazes de afetar o contrato.
c) o cálculo dos novos valores para a recomposição da efetividade da proposta inicial, a partir de critérios lógicos e coerentes;
d) requerimento juridicamente embasado em doutrina e jurisprudência, a fim de gerar segurança jurídica ao servidor responsável pela análise do pedido. Ou, em caso de indeferimento, para que os argumentos possam sustentar uma ação judicial para vencer a pretensão resistida pela Administração inadimplente.
4. Diálogo Aberto com a Administração juridicamente planejado: é fundamental manter um canal de comunicação aberto e constante com os órgãos responsáveis, situação que pode facilitar a resolução de dúvidas e acelerar o processo de análise. Todavia, todas as tratativas devem ser juridicamente planejadas, a fim de que os direitos do particular possam ser efetivamente respeitados. Nesse ponto, devem ser avaliados, além de cobranças ordinárias e reuniões:
a) Oficializar a Demora: a primeira medida recomendada é protocolar uma notificação formal, informando a Administração sobre o atraso na análise do pedido e as consequências jurídicas que podem advir, inclusive responsabilizações, caso esse atraso se mantenha. Este documento serve para deixar claro que o contratado está ciente dos prazos legais e busca uma solução amigável. Além disso, é fundamental demonstrar os prejuízos sofridos devido à demora.
b) judicialização para assegurar o direito líquido e certo à análise do pedido em prazo razoável: não é permitido à Administração manter paralisado por meses os requerimentos do particular. A lei estabelece prazos para que seja dada uma resposta, seja positiva ou negativa. Caso haja descumprimento a esses prazos, a questão pode ser levada ao Poder Judiciário com a solicitação de imposição de multa diária até que seja dada uma resposta.
c) exercício de prerrogativas previstas em lei para sanar a situação de inadimplemento: após o prazo de dois meses, podem ser avaliadas a suspensão do cumprimento das obrigações pelo particular, até a normalização da parcela do pagamento atinente ao valor do reequilíbrio, conforme assegura o art. 137, §3º, II, da Lei nº 14.133/21, assegurada indenização pela desmobilização e mobilização. Assim, é possível paralisar total ou parcialmente a obra ou serviço, medida extrema que deve ser avaliada com cuidado, mas, que está expressamente assegurara por lei. E, ainda, caso seja insuportável manter a execução, é possível até mesmo rescisão do contrato por culpa da Administração, com a cobrança de perdas e danos, lucros cessantes e danos emergentes. E em todos os casos é devida a compensação financeira pelo atraso, tanto pela atualização do montante devido a valor presente (correção monetária), como a indenização pelo atraso (juros de mora).
d)responsabilização da autoridade inadimplente: em casos mais graves, a depender da situação concreta, é possível pleitear aos órgãos de controle interno e externo, tais como o Ministério Público ou Tribunal de Contas, a responsabilização do servidor que deu causa aos prejuízos suportados pelo particular, que poderá ser punido. Infelizmente, em muitos casos, é a única ferramenta que se mostra bastante eficaz nas situações extremas de total descaso e falta de diálogo. Inclusive, algumas condutas, tais como preterir a ordem cronológica de apresentação das faturas para pagamento, isto é, pagar primeiro a quem apresentou a fatura depois, podem até mesmo constituir crime, cabendo, assim, a apresentação de Representação Criminal em face dos envolvidos.
5. Planejamento financeiro: É muito importante desenvolver um planejamento financeiro que considere que o pagamento por parte da Administração, ainda que acrescido de juros e correção monetária, poderá sofrer atrasos e que, ainda que seja possível a suspensão da execução por culpa da Administração ou a rescisão, há períodos mínimos fixados em lei em que o particular deve suportar a execução do contrato, reclamando cuidados redobrados com o fluxo de caixa. Assim, deve ser avaliadas suspensões temporárias de execução ou a rescisão do contrato por culpa da Administração.
A demora na análise de pedidos de reajuste e reequilíbrio econômico-financeiro é um desafio significativo para quem contrata com o poder público, em especial para o setor de construção civil. No entanto, com a implementação de soluções práticas e eficazes, é possível mitigar esses impactos e garantir a continuidade dos projetos de forma sustentável. Empresários devem estar atentos às mudanças legislativas e buscar sempre o apoio de profissionais qualificados para navegar por esse complexo cenário.
O escritório Bogo Advocacia, que já patrocinou diversas causas dessa natureza, coloca à disposição de seus clientes equipe qualificada para atuar nesses casos. Atuamos com suporte jurídico com fundamentação técnica, na área consultiva (pareceres prévios) e contencioso administrativo e judicial. Mas, não é só. Atuamos também na formulação de planilhas e memórias de cálculo, análises de mercado, de Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) ou Acordos Coletivos de Trabalho (ACT), confronto de índices setoriais e custos reais, dentre outros. Sempre atuando com foco no resultado, buscamos compartilhar o êxito com os nossos clientes.
Escrito por:
Guilherme Luiz Kuhn, advogado associado do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, formado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pelo GRAN Centro Universitário.
Daniel Bogo, advogado sócio do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, com atuação na área de licitações e contratos por mais de dez anos, formado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pela Universidade Anhanguera.