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Licença Ambiental de Operação (LAO)

É lícita a exigência da Licença Ambiental de Operação (LAO) como requisito de habilitação em licitações?

A realização de licitações é um instrumento essencial para assegurar a isonomia, a concorrência justa e a contratação de soluções eficientes no âmbito da administração pública. No entanto, em setores em que o impacto ambiental é significativo, a discussão sobre a exigência da Licença Ambiental de Operação (LAO) como requisito de habilitação merece destaque. Este artigo busca explorar as bases legais, os desafios e as implicações dessa exigência no contexto das licitações públicas no Brasil.

1. Fundamentos Legais da Licença Ambiental de Operação

A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais completas do mundo, tendo como base a Constituição Federal de 1988, que estabelece no art. 225 o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

No âmbito infraconstitucional, a Lei n.º 6.938/1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, determina que determinados empreendimentos potencialmente poluidores ou que utilizem recursos naturais devem obter licenciamento ambiental. A Licença Ambiental de Operação, em particular, é concedida após a comprovação de que a atividade está em conformidade com as exigências ambientais.

No contexto das licitações, a Lei n.º 14.133/2021, que institui a nova Lei de Licitações e Contratos, prevê em seu art. 67 que as exigências de habilitação devem estar vinculadas à demonstração de capacidade técnica e ao cumprimento da legislação pertinente. Porém, a interpretação do que constitui um requisito de habilitação aceitável é uma questão controversa.

2. A Licença de Operação como Requisito de Habilitação

Do que já foi exposto, portanto, pode-se concluir que a licença ambiental é um requisito legal que deve ser observado. Todavia, a dúvida que persiste é: esta exigência deve ser um requisito de habilitação ou apenas um compromisso, na forma de uma declaração, de que caso o proponente venha a ser vencedora da licitação ele atenderá a exigência?

Antes de responder, para bem compreender a controvérsia, deve-se lembrar que, como regra é proibido exigir em edital, como condição para a habilitação, requisitos que onerem os licitantes, criando custos apenas para participar de certames sem nenhuma garantia de que serão vencedores. Essa vedação consta da Súmula 272 do TCU (Tribunal de Contas da União – TCU) à luz das normas regentes ao princípio da competitividade nas licitações.

Nesse sentido, quando deparada com a exigência da Licença Ambiental de Operação (LAO) como requisito de habilitação, podem surgir alguns questionamentos:

  • Exclusão de Competidores: Exigir a LAO pode restringir a competição, especialmente em setores onde o licenciamento é demorado e complexo. Muitas empresas podem estar em processo de regularização, mas ainda não possuem a licença definitiva.
  • Temporalidade: Em vários casos, a licença ambiental é concedida apenas após o início das atividades, mediante cumprimento de condições impostas no licenciamento prévio ou de instalação.
  • Prejuízo ao Interesse Público: A exclusão de competidores pode resultar em contratações menos vantajosas para a administração pública, comprometendo o princípio da economicidade.

Do mesmo modo, a Constituição Federal estabelece, ao dispor sobre licitações, que a lei “somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (art. 37, XXI).

E a Lei nº 14.133/21 (Estatuto de Licitações e Contratos) não prevê especificamente dentre as exigências de habilitação a licença ambiental. 

A posição majoritária é a de que a súmula 272/TCU não se aplica a exigência de licença ambiental, sendo essa uma exigência de lei especial que deve ser incluída como requisito de habilitação. E a Lei nº 14.133/21, permite que se façam exigências “prova do atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso (art. 67, IV).

O primeiro motivo se dá pela impossibilidade de se obter a licença em questão no período entre a assinatura do contrato e o início de sua execução. Ou seja, a mera declaração não vai permitir que o licitante vencedor consiga executar o objeto em tempo hábil, porque o prazo de licenciamento é muito mais demorado do que o período compreendido entre a licitação e a contratação, o que inviabiliza a mera apresentação de declaração. Nesse sentido, nas palavras de Marçal Justen Filho, que bem explica a problemática citando um caso sob a análise do TCU (Tribunal de Contas da União):

Na situação examinada pelo TCU, surgiu uma outra manifestação do mesmo problema. A execução da contratação do objeto da licitação pressupunha, de modo inafastável, a regularidade ambiental do estabelecimento do contratado. Mais ainda, a disciplina pertinente à regularidade ambiental torna impossível que o sujeito obtenha o licenciamento no período entre a assinatura do contrato e o início de sua execução. Logo, se o sujeito vencer a licitação, assinar o contrato e não dispuser do licenciamento ambiental, a prestação não poderá ser executada. A exigência adotada no edital era plenamente válida. Não se tratava propriamente de um requisito de habilitação, ainda que uma interpretação ampliativa do previsto no art. 30, inc. IV, da Lei 8.666 pudesse dar-lhe respaldo. Rigorosamente, a exigência não se relaciona às condições subjetivas do licitante – conceito nuclear à ideia de habilitação. Trata-se da viabilidade objetiva da execução da atividade objeto do certame.[1]

À vista disso, o Tribunal de Contas da União há tempos já definiu a questão. Pelo Acórdão n.º 870/2010-Plenário considerou ilegal não exigir a licença ambiental e determinou a anulação de editais que não exigiram a licença ambiental na fase de habilitação, veja-se trecho da decisão: “não há negar que a exigência, a par de sua fundamentação legal e material, coaduna-se com a crescente preocupação com os aspectos ambientais que cercam as atividades potencialmente poluentes. Não custa lembrar que, pelo várias vezes citado Acórdão 247/2009, este Tribunal Pleno determinou a anulação de edital justamente por ele não exigir, na habilitação, a licença ambiental de operação tratada nestes autos.”

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) possui precedentes no mesmo sentido, isto é, que é ilegal não exigir a Licença Ambiental de Operação (LAO) como requisito de habilitação, nas hipóteses em que se trata de uma exigência da lei ambiental. Nesse sentido, o Acórdão n° 696/22 – Tribunal Pleno de relatoria do d. Conselheiro Artagão de Mattos Leão, deferiu cautelar justamente para suspender Pregão que não exigiu licença de operação ambiental como condição para habilitação, em sentido totalmente contrário da decisão nestes autos proferida. Confira-se:

No que tange ao item “b”, acerca da necessidade de licença de ambiental de operação como requisito de habilitação, assim se pronunciou o Tribunal de Contas da União: (…)

Vale destacar que a Portaria IAP n.º 224/07, em seu artigo 9º, prevê expressamente a necessidade de autorização ambiental para as atividades de transporte, armazenamento, tratamento e disposição final de resíduos sólidos. Segundo o artigo 9º da Lei estadual n.º 12.493/1999: (…).

A autorização ambiental e a licença de operação justificam-se pela potencialidade de risco ambiental dessas atividades, sendo extremamente importantes para a execução do objeto. Constata-se, portanto, que a deficiência do edital neste ponto traz risco ao meio ambiente, motivo pelo qual recebo a representação quanto ao item.

(…)

Reitero a gravidade da ausência de licença de operação ambiental como condição para habilitação da empresa licitante.

(…)

III – Diante do exposto, RECEBO PARCIALMENTE presente Representação e, com fulcro nos arts. 282, § 1º, 400, § 1º-A, e 403, II e III, do Regimento Interno, ACOLHO o pedido de expedição de MEDIDA CAUTELAR em face do MUNICÍPIO DE ROLÂNDIA, para o fim de determinar a imediata suspensão dos procedimentos que envolvam o processo licitatório relativo ao Pregão Presencial nº 11/2022 até que o TCE-PR delibere sobre o mérito desta Representação, sob pena de responsabilização solidária do atual gestor, nos termos dos arts. 400, § 3º, e 401, V, do mesmo Regimento.

Já no Acórdão nº 48/20 – Tribunal Pleno, de relatoria do d. conselheiro Ivan Lelis Bonilha, foi julgada improcedente representação que postulava a ilegalidade da exigência de licença como condição de habilitação, também seguindo os entendimentos do TCU e do acórdão anterior:

Alega que “só seria possível exigir apresentação de licença ambiental para comprovação do licitante vencedor, sendo ilegal a exigência de tal documento como requisito de qualificação técnica”. A defesa, por sua vez, justificou que há amparo legal e jurisprudencial para o item questionado, apresentando decisões do TCU acerca da matéria. Também, aduziu que o inciso IV, do artigo 30, da Lei de Licitações “prevê a possibilidade da exigência de atendimentos de requisitos previstas em lei especial, quando for o caso”. Compulsando os autos, reputo regular a exigência questionada.

(…)

O licenciamento também encontra amparo na Constituição Federal3 , na Lei n.° 6.938/814 , no Decreto n.° 99.274/905 . Nesse contexto, como bem destacado pela CGM, “a observância da legislação ambiental constitui verdadeiro requisito de habilitação jurídica para aquele empreendedor exercente de atividade que se mostre efetiva ou potencialmente poluidora que pretende contratar com a administração pública.”. No caso concreto, portanto, entendo que não há ilegalidade na exigência das licenças ambientais dispostas no item 6.2.4, 01 e 02, “a”, do edital, as quais são permitidas, como requisito de habilitação, para atividades potencialmente poluidoras. O TCU já decidiu nesse sentido, nos termos da jurisprudência abaixo colacionada:

13. Quanto à ocorrência indicada no subitem 3.4, relativa à exigência prévia de licença operacional ambiental, entendo que assiste razão à UFAM, vez que amparada em legislação e normas específicas. O momento de apresentar as referidas licenças deve ocorrer na fase de habilitação. Caso contrário, como o prazo para obtenção da licença junto aos órgãos competentes pode demorar até 120 dias, não haveria garantias para a Administração de que, se a licitante vencesse o certame, seria, de modo célere, autorizada a operar, pelo IPAAM e Vigilância Sanitária, acarretando, desse modo, risco à execução contratual. (Acórdão n.° 1895/2010 – Plenário TCU. Relator Ministro Augusto Nardes).

Assim, em conformidade com a unidade técnica e o órgão ministerial, julgo improcedente a Representação neste item.

Tudo isso tem amparo, ainda, em legislação especial. A Resolução nº 237 de 19 de dezembro de 1997 do CONAMA estabelece em seu art. 2º, §§1º e 2º, os empreendimentos que estão sujeitos ao Licenciamento Ambiental[2].

Dessa forma, em que pese as controvérsias levantadas inicialmente, é legal a exigência de Licença Ambiental Operacional como condição de habilitação.

4. Recomendações para Licitantes

Para mitigar os desafios e maximizar as chances de êxito nos processos licitatórios, os licitantes podem adotar algumas estratégias:

  • Antecipar-se às Exigências: Investir em regularização ambiental antes da publicação de editais pode garantir maior agilidade e competitividade nos certames.
  • Monitorar os Editais: Acompanhamento próximo dos editais permite identificar inconsistências e questionar exigências desproporcionais, caso necessário.
  • Buscar Parcerias: Empresas podem considerar parcerias com outras organizações que já possuam experiência e regularização em atividades similares, a fim de ampliar a capacidade de atendimento aos requisitos ambientais.
  • Capacitação Contínua: Manter equipes atualizadas sobre a legislação ambiental e as práticas de licenciamento pode ser um diferencial competitivo.

5. Considerações Finais

A exigência da Licença Ambiental de Operação como requisito de habilitação em licitações é um tema que demanda equilíbrio entre a proteção ambiental e a eficiência nos processos administrativos.

É imprescindível que os gestores públicos atuem com discernimento, observando os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, a fim de assegurar a sustentabilidade e a competitividade nos certames licitatórios.

Sob a ótica dos licitantes, é essencial compreender e antecipar as implicações desse requisito, adotando uma postura proativa e estratégica.

Esse é um campo em constante evolução, e a participação ativa de advogados especializados pode ser determinante para a construção de soluções que conciliem os interesses da administração pública, da sociedade e do meio ambiente.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. O TCU e as condições de participação em licitação. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n° 105, dezembro de 2015, disponível em: https://www.justen.com.br/pdfs/IE105/Marcal-TCU.pdf. Acesso em: 01/11/2024

[2] Art. 2º A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

Escrito por:

Guilherme Luiz Kuhn, advogado associado do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, formado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pelo GRAN Centro Universitário.

Daniel Bogo, advogado sócio do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, com atuação na área de licitações e contratos por mais de dez anos, formado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pela Universidade Anhanguera.

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