A participação em processos licitatórios exige atenção redobrada por parte dos licitantes, especialmente quanto à entrega de documentos na fase de habilitação. Um ponto frequentemente debatido diz respeito à possibilidade de apresentar novos documentos ou corrigir falhas após a entrega inicial da habilitação. Neste artigo, abordaremos como a legislação brasileira e o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) tratam este tema, destacando as mudanças introduzidas pela nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021).
1. O que é a fase de habilitação em licitações?
A fase de habilitação é um dos momentos cruciais no processo licitatório. Nessa etapa, a Administração Pública avalia se os licitantes cumprem os requisitos de capacidade técnica, jurídica, fiscal, trabalhista e econômico-financeira para executar o objeto da licitação. O objetivo é garantir que apenas empresas qualificadas possam participar das fases seguintes.
Os documentos exigidos são especificados no edital, e cabe ao licitante apresentá-los de forma completa e dentro do prazo estabelecido.
2. A regra geral: vedação à complementação documental
Tradicionalmente, a regra geral em licitações é que não se admite a apresentação de novos documentos após o encerramento do prazo para entrega da habilitação. Essa vedação está associada aos princípios da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório, evitando que um licitante obtenha vantagens indevidas ao corrigir falhas enquanto outros cumprem rigorosamente as exigências do edital.
No entanto, existem nuances e exceções relevantes, especialmente sob a ótica da nova Lei de Licitações.
3. A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)
A Lei nº 14.133/2021 trouxe um avanço significativo ao prever situações em que a Administração pode admitir a apresentação de novos documentos ou esclarecimentos. O artigo 59, §3º, da lei dispõe:
Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:
I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.
§ 2º Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.
Esse dispositivo solidifica o conceito de saneamento de falhas, que permite a correção de pequenos erros formais ou omissões nos documentos apresentados, desde que não comprometam o conteúdo essencial da habilitação. Isso incluisituações como:
- Erros de digitação ou ausência de assinatura em documentos apresentados;
- Atualização de certidões que estavam válidas no momento da entrega, mas venceram durante o curso do processo;
- Substituição de documentos já existentes, mas que, por falha operacional, foram entregues de forma incompleta ou ilegível.
Por outro lado, o saneamento não pode ser utilizado para:
- Incluir documentos ausentes que sejam essenciais para a habilitação;
- Alterar informações que modifiquem o mérito da proposta ou comprovem capacidade técnica inexistente.
4. Entendimento do TCU sobre o saneamento de falhas
O TCU tem analisado o tema com atenção, reconhecendo a possibilidade de saneamento de falhas como uma forma de valorizar o interesse público e evitar desclassificações excessivamente rígidas.
O Acórdão 1211/2021 do tribunal foi uma decisão importante sobre o assunto e é relevante porque antecipa o tratamento dado ao tema na Lei nº 14.133/2021, que passou a permitir expressamente o saneamento de falhas em seu artigo 59, §3º. O tribunal destacou que o saneamento é uma medida que promove eficiência e evita desclassificações desnecessárias, mas deve ser aplicada com parcimônia e dentro dos limites legais.
Esse entendimento visa conciliar a rigidez necessária ao procedimento licitatório com a flexibilidade para corrigir falhas menores, reduzindo o desperdício de recursos e tempo em processos onde os objetivos públicos poderiam ser alcançados sem prejuízo à competitividade.
5. O que os licitantes devem observar?
Embora a nova lei ofereça mais flexibilidade, é fundamental que os licitantes sigam algumas boas práticas:
- Atente-se ao edital: Leia cuidadosamente as exigências documentais e assegure-se de que tudo está correto antes do prazo final de entrega.
- Organize-se previamente: Mantenha os documentos da empresa atualizados e acessíveis para evitar correria de última hora.
- Monitore as decisões da Administração: Caso seja solicitado a complementar algum documento, analise se a solicitação está alinhada com os limites legais.
- Conheça seus direitos: Se a Administração desclassificar sua empresa por uma falha que poderia ser sanada, avalie a possibilidade de recorrer administrativa ou judicialmente.
6. Conclusão
A apresentação de novos documentos após a entrega da habilitação é um tema sensível, que deve ser analisado sob a luz do princípio da isonomia e das disposições da Lei nº 14.133/2021. O saneamento de falhas é uma ferramenta importante para equilibrar rigor e eficiência, mas exige critério e transparência por parte da Administração Pública.
Portanto, licitantes devem estar atentos às regras do edital e às mudanças legislativas, utilizando o saneamento de falhas como um recurso complementar, e não como uma estratégia de última hora. A correta interpretação das normas e o acompanhamento das decisões do TCU são aliados indispensáveis para uma participação bem-sucedida em licitações públicas.
Escrito por:

Guilherme Luiz Kuhn, advogado associado do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, formado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pelo GRAN Centro Universitário.

Daniel Bogo, advogado sócio do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, com atuação na área de licitações e contratos por mais de dez anos, formado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pela Universidade Anhanguera.