O regime de contratação integrada, amplamente utilizado no âmbito de obras e serviços de engenharia, destaca-se por atribuir ao contratado a responsabilidade pela elaboração do projeto executivo e pela execução das obras com base em um anteprojeto fornecido pela Administração Pública. Essa modalidade busca assegurar maior eficiência e celeridade na execução dos contratos. Todavia, situações envolvendo erros substanciais nas condições de contorno apresentadas no anteprojeto podem ensejar debates relevantes sobre o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
O Princípio do Equilíbrio Econômico-Financeiro nos Contratos Administrativos
O princípio do equilíbrio econômico-financeiro é um pilar essencial dos contratos administrativos, previsto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 8.666/1993, bem como pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos). Esse princípio assegura que as condições inicialmente pactuadas entre o contratado e a Administração Pública sejam preservadas ao longo da execução do contrato, de forma a garantir a justa remuneração pelos serviços prestados.
A Contratação Integrada e os Erros no Anteprojeto
Na contratação integrada, a Administração apresenta ao contratado um anteprojeto que serve como referência para o desenvolvimento do projeto executivo e para a execução das obras. No entanto, quando o anteprojeto contém erros substanciais nas condições de contorno, como estudos geotécnicos equivocados ou estimativas de custos inadequadas, pode haver impacto direto sobre os custos e prazos do contrato.
Esses erros podem alterar significativamente os riscos assumidos pelo contratado, uma vez que a formulação da proposta comercial é baseada nas informações fornecidas pela Administração. Quando tais erros vêm à tona, é imprescindível avaliar a viabilidade do reequilíbrio econômico-financeiro para restabelecer a harmonia contratual.
A Possibilidade de Reequilíbrio em Razão de Erros no Anteprojeto
A lei, bem como a jurisprudência e a doutrina apontam que o reequilíbrio econômico-financeiro é cabível quando ocorrerem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, que alterem significativamente as bases objetivas do contrato. Conhecida como teoria da imprevisão, permite a revisão de contratos em razão de fatos supervenientes que causem onerosidade excessiva a uma das partes.
Ocorre que no tema em análise, o pressuposto do reequilíbrio surge de erro no anteprojeto, e não em fato imprevisível. Nesse sentido, é legal o reequilíbrio?
De início, há de se considerar a matriz de riscos, que é, em resumo, um instrumento utilizado para identificar, distribuir e gerenciar os riscos associados à execução de um contrato público, desde a etapa de planejamento até a sua conclusão. Ela estabelece, de forma clara, quais riscos serão assumidos pelo contratante (órgão público) e quais caberão ao contratado (empresa ou fornecedor). Essa matriz é especialmente importante em projetos complexos, como obras públicas e concessões, ajudando a prevenir disputas e garantir maior eficiência na execução.
Pois bem, poder-se-ia fazer uma simples análise e determinar a possibilidade de reequilíbrio a alocação do risco, da realidade encontrada na execução contratual ser diversa daquela o prevista no anteprojeto, para a contratada ou para o contratante, sendo que caso fosse alocado o risco ao contratado, não teria direito ao reequilíbrio, e vice-versa.
Ocorre que a Administração tem o dever de promover condições condizentes com a realidade no anteprojeto, assim já foi exposto pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no Acórdão 1415/2024-TCU-Plenário, veja-se: “Na contratação integrada, o anteprojeto de engenharia assume papel central, servindo de referência tanto para a Administração, que por meio dele demonstra as condições de contorno mínimas esperadas do empreendimento, quanto para os licitantes, por servir de referência para as propostas“.
Considerando isso, ao analisar o tema em estudo, TCU, por meio do Acórdão 2429/2024 – Plenário, ressaltou que os erros de anteprojeto, também chamado de “condições de contorno” têm sido frequentes em contratações integradas e , quando grosseiras, pode ser considerado vício de vontade e tornar a avença anulável:
No presente caso – e como, infelizmente, tem sido corriqueiro nas contratações integradas e semi-integradas -, as condições de contorno providas pela administração apresentam erros ou imprecisões relevantes. Ainda que os licitantes não tenham qualquer controle sobre essas circunstâncias e mesmo que, em razão disso, não possuam elementos para aferir a probabilidade e o impacto dessa incerteza, as matrizes de risco têm alocado tal incerteza para os particulares.
Ao se considerar essa distribuição de riscos, a licitação pode ter como resultado não a melhor vantagem, mas a “melhor sorte”, a partir da proposta do licitante que mais aposte que os estudos providos pela administração estão corretos.
Considero que essas incorreções, quando grosseiras, possam viciar a formação de vontades manifestada no edital, dada a boa-fé entre as partes. Esses “erros de entrada” dão azo a vícios na capacidade volitiva e têm o poder de tornar as avenças anuláveis. Veja-se o que dispõe o Código Civil, acerca do erro substancial, quando versa sobre “defeitos no negócio jurídico – Capitulo IV”:
Não obstante a comprovação de desequilíbrio econômico, o Tribunal condicionou a concessão do reequilíbrio em caso de erro de anteprojeto a onerosidade excessiva ocasionada a contratada, podendo assim ser entendida quando o lucro líquido da contratada se tornar negativo:
9.1.3. o atendimento a pleito de reequilíbrio econômico-financeiro da contratada em face do aumento da distância de transporte de brita para lastro, em razão da superveniência de informação sobre a inadequação do material pétreo nas quatro pedreiras de projeto, em novidade da informação, representando um “erro substancial” de informação disponível a todos os concorrentes (arts. 138 e 139 do Código Civil Brasileiro), só pode ser acatado se comprovada a ocorrência de uma “onerosidade excessiva” dos encargos da contratada, tomada a partir da subtração dos custos (inclusive de transporte) da nova solução pelos custos da solução tomada em anteprojeto;
9.1.4. a “onerosidade excessiva” mencionada nos subitens 9.1.1 e 9.1.3, ausente menção explícita no contrato, pode ser tomada a partir do momento em que o lucro líquido da contratada se tornar negativo, avaliando a equação econômico-financeira do contrato como um todo, com cálculo realizado a partir do lucro bruto estimado no orçamento de referência da administração, descontados o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tal qual ajuizado em jurisprudência mais recente desta Corte, a exemplo dos Acórdão 1604/2015-TCU-Plenário, 1.905/2020-Plenário, 4.072/2020-Plenário, 2.135/2023-Plenário e 8.032/2023-1ª Câmara;
Diante do exposto, embora na contratação integrada o contratado assuma a responsabilidade pelo desenvolvimento do projeto executivo, isso não exime a Administração de fornecer informações minimamente adequadas e completas no anteprojeto. Erros substanciais podem configurar descumprimento do dever de cooperação por parte da Administração, justificando a revisão contratual, em casos em que o erro no anteprojeto causem onerosidade excessiva aos contratados.
Procedimentos para Pleitear o Reequilíbrio
Para requerer o reequilíbrio econômico-financeiro em razão de erros no anteprojeto, o contratado deve observar os seguintes passos:
- Notificação Formal: Comunicar a Administração acerca dos erros identificados, apresentando documentação que comprove o impacto nos custos e prazos.
- Negociação Administrativa: Buscar a solução no âmbito administrativo, mediante a apresentação de um pleito fundamentado e detalhado.
- Ajuizamento de Ação: Em caso de negativa ou omissão por parte da Administração, é possível recorrer ao Poder Judiciário para assegurar o reequilíbrio contratual.
Considerações Finais
O reequilíbrio econômico-financeiro em contratos regidos pelo regime de contratação integrada é uma medida que visa preservar a equidade e a viabilidade das contratações públicas, sobretudo diante de erros substanciais no anteprojeto de engenharia.
Advogados especializados em licitações desempenham papel fundamental na orientação de seus clientes quanto aos direitos e mecanismos legais disponíveis para salvaguardar seus interesses.
É essencial que tanto a Administração quanto os contratados adotem uma postura colaborativa para resolver eventuais controvérsias, garantindo a execução eficiente dos contratos e a entrega de obras e serviços de qualidade à sociedade.
Escrito por:

Guilherme Luiz Kuhn, advogado associado do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, formado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pelo GRAN Centro Universitário.

Daniel Bogo, advogado sócio do escritório Bogo Advocacia e Consultoria, com atuação na área de licitações e contratos por mais de dez anos, formado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, pós-graduado em Licitações e Contratações Públicas pelo Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS) e pós-graduado em Direto Administrativo pela Universidade Anhanguera.